domingo, 14 de dezembro de 2008

Eu, eu mesma e Ana

Finalmente encontro aqui páginas em branco para descrever-lhes o encanto de uma menina. Seu nome era Ana. A veracidade de ser mulher e garota ao mesmo tempo. Às vezes, confesso, suas conversas causavam-me sonolência. Talvez por que eu também fosse uma Ana e me sentisse cansada das mesmas histórias. Ela então insistia em causar-me dias frios e chuvosos. E os olhos! Ora com medo ora famintos. Eram espectadores de uma vida intrigante, eram hipnotizadores. A menininha que me visitava regularmente trazia-me livros, frases, consolos e lembranças de gosto de café amargo na boca.

As músicas, ah as músicas! Como eram belas, umas com lágrimas outras com nada, somente o peso da indiferença. Porém não deixavam de ser belas.

A garota roubava-me as orelhas. Gritava e rodopiava contando seus causos de amor. Um especificamente. Era uma história de contos de fadas com um desfecho ainda incerto. Uma baforada de fumaça de cigarro no rosto, um pouco de sorriso e lágrima, uma fatigada caneta e ela me servia de inspiração para um novo poema. Falava-me das tardes quentes, ensolaradas, estava inconsolada. Eu aproveitava e rabiscava os papéis. Às vezes um pouco perdida, pois em alguns momentos eu realmente não a entendia. Mas o que viria a ser “entender”? Deixo essa pergunta pra depois.

Eu do lado de fora da janela do quarto, sentia um frio estrondoso, eram as mãos de Ana quando o via. Ela sentia-se segura pela metade, a outra parte não era vazio, era amor e paixão. Sentia aquele frio novamente, era que o calor do corpo dele não enlaçava mais o seu. A garotinha colocava sua cabeça em meus ombros e pranteava como uma criança. Acho que se comportava assim por ainda ser uma.

A menina dos olhos embriagantes não parava de pular em minha cama e escrever nas paredes do meu quarto. Porém, de minha boca não saía nada, nenhuma bronca ou palavras quaisquer. Pensava, questionava-me, pensava novamente, e quando eu enchia as bocas com milhares de letras e alfabetos, com o desespero da iminência elas sumiam, me via tomada novamente por novas idéias. Era um ciclo inconstante e dele nenhuma qualquer coisa saía.

De longe eu escutava algumas canções vindas das cordas vocais do amor de Ana. Ela aspirava ter tudo aquilo de volta. Esperneava, vomitava, soluçava. Depois da angústia, vestia-se de mulher. Mostrava-me agora algumas de suas obras. Poemas, textos e músicas que se compunham de frases avassaladoras, como a cólica conseqüente de uma menstruação dolorosa, precisa, necessária. Ela sussurrava sonetos dos dias de paixão, das notas trocadas, dos beijos, café e pão de queijo. Como eram quentes aqueles dedos que a tocavam, eu até podia senti-los!

Não! Eu tampava os ouvidos com os braços, os abraços e os travesseiros. Um momento de grande espanto. Corpo tomado pelo cansaço. A chuva, os trovões, Ana queria escutá-los. Eu não, não desejava isso. Trazia-me vazio. Sufocante, sufocante.

Não suportava mais.

Senhoras linhas em branco, preciso deixá-las, não suporto mais essa dor. Ana me aperta a goela, me estrangula. Seu encanto dilacera meu processo de esquecimento das aulas de violão. Peço-lhes toda a compreensão. Falta-me o ar, esta criança me enforca a alma. Ausentar-me-ei por alguns instantes totalmente longos. Tenho que sentir lá fora o cheiro de café e cigarros. Aquele sofá que fica cada vez mais frio...

Bianca Azenha

5 comentários:

ana c disse...

amei! talvez porque eu também seja uma ANA! =D

Unknown disse...

diferente. gostei. abraços.

Lari Reis disse...

Adorei! Não sou apenas mais uma Ana, sou minha própria Ana. Sou eu que me falo as mesmas histórias, sou eu que cultivo as mesmas memórias. Ah, Ana!

mijeiderir disse...

Pow legal, muito interessante o texto!

abraços

Mijei de Rir - Alegria e diversão!

Ana Célia disse...

mto bom! Opinião de outra Ana!

Obrigada pelo comentário no Redescobrinso São Paulo!
Venha pra São Paulo qdo puder...aqui temos mais coisas além de poluição, congestionamento e barulho!